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Encontro com o Príncipe: idolatria que ultrapassou gerações

Seu Eustáquio nasceu em 1947 na cidade de Corinto, no interior de Minas Gerais. Influenciado por seu irmão mais velho, começou a acompanhar pelo rádio a trajetória de um time que vestia azul com um cruzeiro do sul estampado no peito e ganhava nome e fama por todo o estado. Sempre que ia a Belo Horizonte de trem acompanhando sua mãe pra vender no Mercado Central o produto que ela retirava da rocinha a qual ela cuidava, dava um jeitinho de ir ao campo do Barro Preto pra acompanhar mais de perto o time que ele escutava os feitos pelas ondas do rádio lá de sua terra natal. Na década de 60, o Cruzeiro, time que seu Eustáquio havia adotado como seu time de coração, começou a montar um elenco especial de jovens promissores que mudaria a história do futebol brasileiro e escreveria páginas heroicas e imortais pelos gramados de Minas Gerais, especialmente no recém construído Estádio Governador Magalhães Pinto, que ficou conhecido rapidamente pelo povo mineiro como “Mineirão”.

"Seu Eustáquio"

Chegara o ano de 1966 e seu Eustáquio concluiria no final do ano o ginásio, o equivalente da época ao nosso ensino médio. Seu Eustáquio, que precisaria de comprar um terno para participar das festividades da formatura, viu a oportunidade de unir o útil ao agradável. Iria a capital mineira para comprar o terno e teria a oportunidade de assistir o Cruzeiro, que havia chegado à final da Taça Brasil e jogaria contra o todo poderoso Santos, comandado por Pelé e Pepe, time que já era uma lenda no cenário futebolístico naquela época.


As chances do Cruzeiro não eram as maiores, mas seria a oportunidade de seu Eustáquio ver seu time do coração, conhecer o recém construído Mineirão e porquê não, ver Pelé, seu ídolo e de praticamente todo jovem brasileiro da época, jogando de perto.


As casas Guanabara, loja de roupas já extinta que se situava na avenida Amazonas estava fazendo uma promoção: cada jovem que comprasse um terno naquele mês ganharia ingresso pra assistir Cruzeiro x Santos no Mineirão e ganharia passagem de ônibus e ingresso pra ver Santos e Cruzeiro no Pacaembu. Sem pensar duas vezes, seu Eustáquio comprou seu terno, pegou seus ingressos e foi pra casa do seu irmão mais velho, que já morava em Belo Horizonte e trabalhava na capital como “chauffeur” para dormir e no outro dia, assistir ao jogo.


Seu Eustáquio se dirigiu mais cedo para o Mineirão. Ao chegar, ficou maravilhado com as cores da torcida, as luzes e a grandiosidade do recém construído estádio, que pra surpresa dos milhares de espectadores que ali se encontravam naquela noite, seria palco de um dos maiores espetáculos já vistos na história do futebol. A partida deu início e a torcida acompanhava atônita o futebol fabuloso que o Cruzeiro jogava naquela noite. Tostão e Dirceu Lopes comandavam uma partida espetacular e encurralaram o Santos em campo. 5 a 0 só no primeiro tempo. Seu Eustáquio relata hoje que as pessoas não acreditavam no que estavam vendo. Na torcida se via um misto de espanto, euforia e até de medo, pois pela qualidade do adversário, não seria absurdo que o esquadrão de Pelé virasse o jogo na segunda etapa. Mas tudo correu bem e apesar dos dois gols do Santos, o Cruzeiro ainda ampliaria a goleada histórica para sonoros 6 a 2. Seu Eustáquio, extasiado pelo que havia assistido, saiu do Mineirão naquele dia com novos ídolos o qual ele acompanharia e idolatraria. Tostão e o recém proclamado príncipe Dirceu Lopes.


Seu Eustáquio se formou, começou a trabalhar e toda oportunidade que tinha, ia a Belo Horizonte assistir seus ídolos no Mineirão. Os anos foram passando, seu Eustáquio casou, se tornou pai de dois rapazes os quais ele passou a paixão pelo seu time do coração. Um acidente de carro fez com que suas idas no Mineirão fossem menos constantes, mas mesmo do interior nunca deixou de acompanhar de forma apaixonada seu time do coração e cultivar um sonho: Um dia, conhecer os ídolos que fizeram tanto sua alegria na juventude.


Hoje, eu que vos escrevo, Álvaro, filho mais novo de seu Eustáquio, cresci ouvindo as histórias do meu pai sobre esse time mágico que construiu as bases para que o Cruzeiro se tornasse o gigante que é hoje.

Trabalho em Pirapora, no norte de Minas, e aqui existe o Reduto Celeste “PiraZeiros”, que se reúne todos os jogos no Bar do Kaká, às margens do rio São Francisco para acompanhar os jogos do Cabuloso. Em seu aniversário de um ano a PiraZeiros promoveu um evento de exposição da Taça Libertadores e tarde com o ídolo Dirceu Lopes! Era a oportunidade perfeita! Nós, que moramos em Várzea da Palma, município ao lado, teríamos a oportunidade de participar do evento e meu pai enfim conheceria o seu ídolo de juventude.


A medida que se aproximava, pude ver o brilho nos olhos do meu pai que contava os dias para o evento. Na véspera, quando ele não conseguia se conter de ansiedade, escreveu uma cartinha pra entregar Dirceu Lopes quando o encontrasse. Não dormiu direito naquela noite, e no sábado, saímos bem cedinho de casa, pois ele queria ser dos primeiros a ver Dirceu em terras Piraporenses.


Chegou então o grande dia. Estávamos meu pai e eu no bar do Kaká, quando na hora marcada, Dirceu Lopes, com sua aura de realeza, mas toda sua simplicidade, chegou pra atender os cruzeirenses de Pirapora. Logo uma pequena fila se formou e lá estava meu pai, de camisa do Cruzeiro, carta em mãos e uma foto do time de 66 na fila para ser autografada.


Ao chegar sua vez, ele que não conseguiu conter as lágrimas, foi muito bem atendido pelo ídolo, que ouviu as histórias das viagens de Corinto a Belo Horizonte de carro para ver o Cruzeiro jogar, dribles e lances memoráveis de Dirceu sob seus adversários, jogos inesquecíveis, memórias que meu pai guardou com carinho por todos esses anos. Dirceu, que tem a mesma idade do meu pai, recordou com ele a velha Belo Horizonte, onde se ia pra todo canto de bonde, das ruas do centro, do Kaol, do velho Mineirão. Comentaram com humor das mazelas que a terceira idade trás e até cornetaram o atual futebol do Cruzeiro. Eu, que assisti aquele tão sonhado encontro de forma emocionada, tive minha camisa (que agora foi aposentada pelo valor sentimental) autografada e pude bater uma foto ao lado do meu pai, nosso ídolo e a tão cobiçada taça. Voltamos para casa aquele dia, meu pai de coração cheio de alegria e alma lavada pela realização do sonhado encontro, eu feliz por ter crescido cruzeirense embalado pelas histórias de seu Eustáquio e certo que o futebol é sim, muito mais que apenas um esporte.

Álvaro e Senhor Eustáquio com o ídolo Dirceu Lopes. Fotos: Arquivo pessoal.



Por: Álvaro Gomes - @alvarogomes_




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