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O Torcedor Cruzeirense

Uma ou duas vezes por semana o torcedor foge de casa e vai ao estádio. Ondulam suas bandeiras, soam suas matracas, soltam seus foguetes, tocam seus tambores e simula chuva de papel picado (recordando o passado distante que o futebol moderno fez questão de matar); a cidade desaparece, a rotina se esquece, e só existe o templo sagrado do nosso futebol (Mineirão ou Toca da Raposa III). Neste templo sagrado, se encontra a única religião que não tem ateu (Nosso amado e temido Cruzeirão Casuloso) que exibe suas divindades. Embora o torcedor possa contemplar o milagre na tela de sua televisão, prefere cumprir a peregrinação até o lugar onde possa ver em carne e osso seus guerreiros duelando contra os demônios da rodada.


Onde o torcedor agita sua camisa, engole sua saliva, cospe seu veneno, come seu boné e rói suas unhas, sussurra suas preces e maldições e que do nada arrebenta a garganta e salta feito pulga abraçando o desconhecido gritando gol.

É raro o Cruzeirense que diz: “Meu time joga hoje”. Sempre dizemos: “Nós jogamos hoje. Este jogador de número doze sabe muito bem quem ele é, e quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem torcida é como dançar sem música.


Quando termina o jogo, o torcedor cruzeirense que ainda não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos hoje, que surra a gente deu neles, ou chora a sua própria derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão.


E então o sol se vai, o torcedor se vai. Caem às sombras do anoitecer sobre o estádio que se esvazia, os degraus de cimento ardem enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho, e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval.


Por: Michael Nascimento

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